O show do Oasis que não aconteceu

Please don’t put your life in the hands, of a rock’n’roll band. O alerta foi feito por Noel Gallgaher lá em 1996, na canção Don’t Look Back In Anger. Mas eu não ouvi. Eu nunca ouço. Então com 13 anos, eu tinha recém descoberto uma incrível engenhoca: a antena UHF. Pluguei a dita cuja na TV do quarto dos meus pais, a única que tinha tecnologia para tal, e descobri a então quase-amadora MTV brasileira. Todo um mundo novo, diferente daquele das ruas brasileiras e da Globo. Uau, havia vida além do Rio de Janeiro! Era o meu universo íntimo que aparecia na TV, a minha vontade de jogar bola, ser um hooligan e ouvir rock. Começava a se desenhar para mim toda uma concepção diferente do que é arte, do que é música, mas, antes de tudo, de qual é o sentido da vida. Ou seja, nenhum. Ou, quem sabe, balançar a cabeça de olhos fechados e sonhar. Essa segunda possibilidade eu descobri nos acordes de um guitarrista marrento, ócuos igual a John Lennon, cabelo idem.

Joguei minha vida nas mãos de uma banda de rock, justamente como o tal guitarrista me alertou para não fazer, logo no início. Hoje, aos 26 anos, vejo a consequência do erro se materializar em lágrimas ao lado de outras 20 mil pessoas inconformadas, às margens do Rio Sena, na França.

Estamos todos aqui porque, em algum momento, jogamos nossas vidas nas mãos de uma banda de rock, mais especificamente nos acordes e na voz de dois porra-loucas completamente inconsequentes, gente que jamais mereceria ter nas mãos os sentimentos de qualquer um. Mas jogamos nas mãos deles porque somos exatamente iguais. Aos 13 anos, eu via Liam com 20 e poucos e pensava: « eu sou igual a esse cara ». E, no fundo, eu sabia que, quando eu tivesse quase 30, como agora, eu continuaria sendo um imbecil apaixonado e inconsequente como ele, jogando todas as coisas importantes da vida para o alto como ele. E é por isso que nessa madrugada parisiense, triste como há tanto tempo eu não ficava, eu consigo entender o cancelamento do show do Oasis meia hora antes de a banda subir ao palco do festival Rock In Seine, diante dessa multidão. Estamos aqui, todos incrédulos diante do palco enquanto uma voz metálica no microfone repete: o show do Oasis não acontecerá.

Pouco depois daquele hipnótico ano da antena UHF, o Oasis tocou no Brasil pela primeira vez. Ainda adolescente, sem um puto furado, nem cogitei ir até São Paulo vê-los. Em 2001 veio a redenção, encarei um ônibus horas a fio até o Rio de Janeiro para conferir a turnê de Standing on The Shoulders of Giants, no Rock In Rio. O show foi frio, diante de um público hostil. Mas não me importei. Só no que eu pensava era no encontro às cegas com uma garota marcado pela internet há semanas e que se materializaria ali, naquele areião do Rio de Janeiro. Obivamente, não conseguimos nos encontrar em meio às 200 mil pessoas daquela noite de domingo. Nada que nos impedisse de nos encontrarmos poucos meses depois, em Porto Alegre, para então passarmos quatro incríveis e longos anos juntos. Assim foi meu único show do Oasis, o prenúncio de um romance eterno, mesmo que tudo viesse a acabar alguns anos depois.

Em março de 2006, quando tudo já estava perdido nas brumas daqueles últimos quatro anos, chorei no Aeroporto Salgado Filho, com o ingresso do show no bolso, ao perder o último vôo para Buenos Aires. Cheguei no aerorpoto segundos depois de o avião decolar, ainda a tempo de ouvir as últimas palavras da tal garota do Rock In Rio ao telefone: « eu to indo ». Ela foi a Buenos Aires, eu fiquei em Porto Alegre, e depois ela iria para longe, longe, longe, de forma que jamais nos veríamos de novo. Ou jamais da forma como deveríamos nos ver. Era para ser o nosso último final de semana para sempre. Perdi o show do Oasis e outras coisas que eu jamais conseguirei mensurar.

Foi naquele início de tarde, no aeroporto Salgado Filho, que fiquei sem reação pela primeira vez. Entende, ficar sem reação? Não é uma coisa comum. Ficar REALMENTE sem ter noção de como se comportar. Sem saber se chora, se ri, se se mata, se fica feliz. Exatamente, é isso que você está pensando: parar no tempo. Eu ouvia as pessoas passando a minha volta, naquele ruído de não-lugar típico dos aerportos e não sabia o que fazer. Congelei. Sentei num banco e fitei o nada. Foram cerca de cinco horas sentado no Salgado Filho sem ter a menor ideia do que fazer. Como fui perder o avião para o show do Oasis? Pessoas me ligavam no telefone, outras que passavam me olhavam estranho. E eu olhava a parede com o cérebro zerado. Nada me ocorria diante de tamanha tragédia. Parecia que não havia mais nada para se fazer na vida. Um sentimento tão nulo que achei que jamais sentiria de novo.

Pois aconteceu outras duas vezes. Uma delas, talvez a pior, me fez perder o show do Oasis em Porto Alegre, no último mês de abril, quando um sentimento maior me obrigava a estar a milhas e milhas e milhas de distância do paralelo 30 sul para não enlouquecer. Pois a terceira foi de novo por causa do Oasis, hoje. Cá estou, encarando o palco do Rock In Seine, depois de esperar oito anos por este show, este que, diante da tensão que há entre o grupo ultimamente, era anunciado como o possível último show da banda. Mas não chegou nem a ser o último show.

Cá estou diante do telão que pisca dizendo « o show do Oasis foi cancelado ». Cá estou em meio à multidão inconformada. Alguns choram, outros jogam o que tem à mão em direção ao palco. Outros dizem que é o fim da banda, afinal, um cancelamento desses, deixando na mão um dos mais importantes festivais da Europa — e, principalmente, o fim da turnê de quase um ano, que deveria encerrar neste fim de semana –, não é normal. Eu estou, de novo, pela terceira vez em 26 anos, travado. Não sei como reagir. O sentimento de azar é maior do que qualquer coisa, e só no que consigo pensar agora é num conselho, aquela coisa que, se fosse boa, ninguém daria. Pois aí vai, caro leitor, do outro lado do oceano: não coloque a sua vida nas mãos de uma banda de rock nem nas de mulheres de cabelos negros e sorrisos encantadores. Mas, se colocar, saiba que o caminho é árduo e irreversível. Depois não diga que eu não avisei.

>>> O site OasisNews tem fotos do famigerado telão do show.

Tarde no atelier

Passei a terça-feira a Saint-Denis, cidade ao norte de Paris, no atelier do artista plástico carioca Walter Nascimento, que está radicado na França desde 1978. Walter me pediu que escrevesse o release de sua próxima exposição, que ocorrerá em Bruxelas, ao longo do mês de setembro. Foi uma longa tarde de bom vinho e boa conversa para conhecer a ótima série DNA, composta por 22 telas (cerca de 12 devem viajar à Bélgica para a mostra). Aproveitei todo o talento de fotógrafo que Deus NÃO me deu para fazer os registros abaixo (clique para ampliar).