Arquivo mensal: fevereiro 2009
Revolutionary Road
Vi sim e achei tri bom. Só o que me parece ali é que há um sofrimento excessivo em função de um fator que hoje já não existe mais: a dificuldade em se divorciar. Não é incomum o casal revelar, depois de um tempo, interesses diferentes, como acontece no filme. A diferença é que hoje tu te separa quando percebe isso e pronto, tá resolvido. Eles não podiam.
A grande questão do filme, na minha opinião, é outra: o lance de optar ou não por ter uma vida convencional. Acho que ele põe em discussão o seguinte: é um erro (ou covardia ou incapacidade) ter uma vida convencional? Eu acho que não, e acho errado quem condena os que preferem algo mais convencional. É por isso que, embora eu me identifique mais com o personagem da Kate Winslet, eu me solidarizo muito mais com o do Leonardo di Caprio. O cara sabe que não tem nenhum talento excepcional, e talvez ele só seja bom mesmo naquela coisa burocrática. Quem pode condená-lo por isso? O erro é considerar pior uma pessoa que tem uma vida mais convencional.
Hoje há uma pressão da mídia na linha do “não seja apenas mais um no mundo”, “faça a diferença”, “você tem talento para ser descoberto”. A dura realidade é: a maioria não tem esse talento. A maioria nasce para ser só mais um. E isso não é ruim. A maioria das pessoas pretensiosas que eu conheço são medíocres. Continuariam apenas medíocres se tivessem orgulho de ser apenas mais um. Acabam se tornando medíocres e patéticas ao entrar nessas de que tem um talento escondido, de que são mais do que os outros.
Eu não estudei Direito ou Administração, não me casei e tive filhos aos 25, como boa parte dos meus amigos. Mas não os condeno nem os considero piores por isso, como a personagem da Kate Winslet faz de forma desprezível com o marido.
Mas, para falar do filme, acabei desviando o assunto que tu propôs. Voltando: de fato é um daqueles filmes que não fazem bem para namoro nenhum. Mais ou menos como o Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.
Boa noite, amor
Ela se confunde com o seu papel de parede cotidiano: o piso de parquet escuro do velho apartamento quarto e sala. Sabe que vou demorar, por isso, a enxergá-la. De propósito, me fita reto, seco, força o conflito do olhar. Seu corpo é da cor do chão, o casco brilha como o sinteco desgastado. Sabe que precisa mais do que as cores para que eu a veja. Então me olha firme, colocada no meio do quarto, sem medo, sem esconderijos, na esperança de que o olhar me atinja. E a nossa conversa telepática sempre acaba conectando. Mas não hoje. Hoje entrei no quarto correndo como sempre, estabanado como sempre, acendendo a luz e procurando a toalha molhada sobre a cama. Parei, num susto, no olhar da primeira barata deste verão, que se interpõe entre a cama e eu, agora congelado sob o bastidor da porta.
Elas demoram, mas sempre aparecem. Basta chegar o calor. Este ano demoraram mais. O horário de verão acabou no sábado, e até então o clima na casa era estranho. Nada de as baratas aparecerem. Há três verões seguidos, são companhia inestimável no silêncio do velho apartamento.
Como quem esqueceu das nossas conversas telepáticas e desta inestimável companhia, parto, trajado de maníaco das hawaianas, para cima da pobre. Ela tenta até o último minuto me persuadir com o olhar e com os pensamentos. Percebe, no entanto, minha falta de treino. Chinelada distante, um merda gritado alto, um chute na quina do armário que agora me rende um dedo sangrando e lá vai ela para baixo da cama, esperar que eu me deite e relaxe. Sentado no chão, apertando o dedo machucado, me pergunto por que fiz isso. Ela me olha sabendo que no fundo estou arrependido: sou grato pela lembrança e pela consideração, por ter aparecido no final do verão, mesmo que para uma conversa rápida. Ela percebe que estou tenso. Preciso de uma massagem. Talvez leia um pouco antes de dormir e a deseje um “boa noite, amor”, antes de apagar o abajur. Ela espera um pouco de gratidão por ter aparecido justamente nesta noite de terça-feira.